Nasceu torto

«Quem tiver lido história ou literatura espanhola, ou conhecer alguma oratória política ou alguma colecção de jornalismo ou de ensaios, sabe que a “guerra de independência” ocupa um grande lugar na imagem heróica do país. Deste lado da fronteira, a “guerra da independência”
recebeu o nome inócuo e neutro de “guerra peninsular” e foi quase universalmente
esquecida. Há cem anos, num momento perturbado (“ditadura” de João Franco, assassinato de D. Carlos, acessão de D. Manuel) ainda a Monarquia tentou comemorar a resistência ao invasor (e ao ocupante) com uma certa dignidade: o Exército encomendou livros, houve conferências, D. Manuel presidiu a uma reconstituição da batalha do Buçaco. Em 2007, só a imprensa, durante uma semana, se lembrou do assunto e, em balanço, sem gastar muito espaço.
Ninguém já conhece o monumento à guerra peninsular como tal (é anonimamente o “monumento – ou a estátua – de Entrecampos”). Ninguém ouviu falar num dos maiores livros da língua, publicado pela última vez por volta de 1980 e hoje completamente esgotado: a História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, de José Acúrsio das Neves. Como também não se encontra o El-Rei Junot, de Raul Brandão, e já não se lê Arnaldo Gama – o Sargento-Mor de Vilar e o Segredo do Abade – ou A Caçada do Malhadeiro, de Ficalho. E pouca gente se lembra da descrição dos tumultos do Porto contra os “jacobinos” no princípio do romance de Camilo Onde está a felicidade?. Verdade que não apareceu por aqui nenhum Goya, nem os Fuzilamentos do 2 de Maio, nem Os Desastres da Guerra. De qualquer maneira, a ignorância da “guerra da independência”, despromovida a “peninsular”, é triste. Por que sucedeu isto? Por causa da subordinação cultural de Portugal à França e ao mito da França como “libertadora da humanidade” (que não se adaptava bem à razia de Bonaparte). E por causa do republicanismo, que nunca desculpou à Igreja, ao “Antigo Regime” e própria Monarquia liberal a defesa do país contra a “revolução”, mesmo sob a forma do império napoleónico. O homem da época passou a ser Gomes Freire de Andrade, um traidor que lutou até ao fim pelo inimigo. Quando por aí a inconsciência política resolve apelar ao patriotismo, nunca me esqueço da omissão e distorção da nossa guerra da independência contra a França. O Portugal moderno nasceu torto. Como, de resto, se viu no PREC».

Vasco Pulido Valente, Público,sexta-feira, 23 de Novembro de 2007

4 comments on “Nasceu torto”

  1. zazie says:

    olha, tens ali um post mais à medida, o último

    bisou, ò maçon descabelado.

    A ver se para a semana faço um post a contar mais historietas do teu arqui-inimigo- o Hogarth. Daquelas que trocam as voltas

  2. Ando a ver se te bato aos pontos BJS

  3. zazie says:

    É isso mesmo, estás a ver como acertas sempre…

    E vivam os mata-frades e mais a jacobinada “anti-facista”.

    Mas andas muito nervozinho, ultimamente…

    “:OP

  4. O que o VPV diz não é nada de novo, mas o plágio de um texto há muitos anos publicado no Diário de Lisboa contra o Stau Monteiro por causa do FELIZMENTE HÁ LUAR.O VPV está senil e cada vez mais reaccionário, e as duas coisas juntas fazem dele uma caricatura. Para ele o Freire de Andrade, que deu a vida para libertar Portugal do domínio dos ingleses, foi um traidor. É claro que a canalha absolutista que se dava bem com a ditadura de Beresford e com ela colaborava não era traidora, era patriota.A Carlota Joaquina, que além de foder com todo o pau de vassoura que lha aperecia á frente, só se dedicava a fazer tontices; o D. Miguel que nas horas vagas de fazer umas orgias com a anã preta se entretinha a estoirar o dinheiro da nação e mandar opositores para a prisão, o Salazar que ao fim de 50 anos de excelente governação conseguiu fazer Portugal o país mais atrasado da Europa, e só não deu o cu ao Hitler porque este era impotente, esses eram bons portugueses.Os Capitães de Abril, Mario Soares e toda a esquerda jacobina eram traidores. Como é sabido, por intermédio das fontes históricas tão prezadas de VPV, os comunicados da Pide/DGS, o Soares até rasgou a bandeira portuguesa em Londres!
    O bibliotecário VPV parece que consome livros a metro. Mas com tanta pressa não percebeu patavina de ONDE ESTÁ A FELICIDADE. Já agora recomendo-lhe uma releitura da novela, na edição que tem um prefácio meu.

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