maravilhas de leste
Encontra-se numa velha igreja medieval, actualmente transformada em museu londrino de jardinagem, agregada ‘as velhas propriedades de Lambeth, antigos sub’urbios nas margens do Tamisa, de hist’oria ainda mais atribulada que a do bom do nosso carneiro da C’itia.
Da primitiva igreja medieval, dedicada ‘a Virgem Maria, inscrita na propriedade de Goda, irma de Carlos o Confessor, pouco mais resta que a cripta e as lendas que este esp’ecime tamb’em evoca.
Mais tarde, o velho pal’acio de Lambeth e sua velha igreja medieva acabam por se libertar destas sinistras mem’orias, dando origem a um notavel gabinete de curiosidades – o Tradescants Ark– onde se deslocava a elite londrina e viajantes, vindos de toda a parte, para observarem as mais ex’oticas preciosidades. Na famosa coleccao chegaram a juntar-se as luvas de Henqique VII, ao lado dos estribos do cavalo de Henrique VIII; um casaco de chefe ‘indio da Virg’inia; diversos instrumentos e batuques africanos, a par de ovos gigantes; conchas nunca vistas; ossos e restos de animais fabulosos, bem como esp’ecies botanicas vindas das mais remotas paragens, entre as quais havia lugar para o nosso carneirinho de casta carne.
Tendo por fundo o velho ambao medieval, de madeira esculpida e pintada, o famoso barometz vive agora numa nave da igreja, dentro de redoma de vidro, na companhia de alguns m’iticos gnomos circundantes.
Por razoes que nos ultrapassam, os botanicos e guias do Chelsea Physic Garden , onde ainda se encontram canteiros da autoria do grande John Parkinson, a quem se deve a cient’ifica catalogacao do esp’ecime entre uma variante de fetos, ignoram ol’impicamente este “arranjo” pouco ortodoxo de Lambeth.
Alheias a estas dicotomias entre ciencias e f’abula, ‘e com vis’ivel orgulho que as benem’eritas good old ladies que a’i trabalham (variante de velhinhas, mais proxima das beguinas, que das outras t’ipicas drunked old ladies da velha Albion) o indicam aos visitantes, enquanto vao embrulhando os “souvenirs“.
Estas maravilhas de viagens, agora arrumadas em museu, fecham tamb’em o ciclo do tempo em que os ocidentais ainda se deslocavam a estranhas paragens de leste ou de Oriente, ‘a procura de mundos fabulosos.
Podemos sorrir pela ingenuidade com que se deixaram iludir por estas fantasias, durante tantos s’eculos, mas, o certo ‘e que a pr’opria a fantasia era entendida como uma realiade mais forte – a do espaco maravilhoso.
Est’avamos precisamente a jantar uns saborosos petiscos, acompanhados de molho t’artaro, quando um dos presentes recordou relatos recentes de jovens mocinhas vindas de leste, ao engano de outras f’abulas que a libra tambem promete. Muitas chegam a trabalhar sete dias na semana, em limpezas citadinas mas, ao fim do dia,’e apenas a rua que as acolhe, j’a que o sal’ario nao chega para pagar o aluguer de um quarto.
Sem que se estranhe a sua presenca, confudem-se com outros sem-abrigo, nao fora o facto de logo bem cedo, pela manha, enrolarem o saco-cama para irem para o emprego.
Estas sao as modernas patranhas que provocam deslocacoes em sentido inverso, vendidas pelos novos negreiros e silenciosamente acatadas por todos, como consequencia natural do progresso.
………….
[pedimos desculpa pela falta de acentos, mas o teclado nao da para mais]
3 comments on “maravilhas de leste”
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Dizes bem, tem a “haver”, uma grande dívida, é isso mesmo.
Claro que há novos negreiros e o que eu escrevi foi precisamente isso, ou não percebeste que “progresso” era ironia?
beijinhos e excelente 2008.
Zazie
O que é para ti O PROGRESSO? Será que o esclavagismo contemporâneo terá algo a haver com o progresso, ou será que tem a haver sim com o passsado que tantos querem perpetuar?
Um Feliz e Luminoso ano de 2008 para ti.Cheio de progresso.
Em breve irei a Lisboa apresentar um livro de uma amiga do qual fiz o prefácio. Gostaria que lá estivesses.
Beijos.
O molho tártaro (com pepino), é capaz de ser afrodisíaco.
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