Maneirismos e excitações por réplicas mortas

{subtexto da emulação dos antigos}

«The connoisseurs and I are at war, you know; and because I hate them, they think I hate Titian, and let them» (William Hogarth to Hester Thrale, in Anecdotes of Samuel Johnson 1786)
The Analysis of Beauty, plate I, 1753 (statuary yard)
O espírito satírico de Hogarth nem num tratado estético que pretendeu sério e destinado a cultivar o bom gosto da sociedade da época, conseguiu ficar à porta.
Numa réplica do diálogo socrático a propósito do Belo, ilustrado na estatuária de Clito ,Hogarth serve-se das estátuas dispostas do jardim de Sir Henry Cheere, em Hyde Parks Corner, para exemplificar a os princípios necessários à beleza da composição, mas acaba por fazer uma leitura de duplo sentido entre o texto e sátira aos críticos da época.
Apolo Belvedere

Os jogos de sedução entre deuses emparelham com as quedas em desgraça dos poderosos desse mundo greco-romano.

O Apolo de Belveder dirige-se à Vénus de Médicis,

Venus Medicis

enquanto as restantes se entregam a jogos de crueldade onde o esplendor do seu passado ficou reduzido a antiqualhas.

Cesar

Ao centro, César que está em vias de se estatelar da corda da roldana, caindo aos pés do Brutus que o assassinou;

o colosso de Hércules assoma mais alto que Laoconte, ao longe condenado pelos deuses, apenas por ter anunciado a trágica verdade.Laoconte

Estas ruínas de jardim, não passam de signos mortos, vanitas despojadas do sentido divino, prontas a serem vendidas pelo melhor preço a qualquer coleccionador. Usadas como réplicas de cópias passadas de mão em mão, os méritos dos seres que encarnavam esvaziaram-se em prol da cotação dos críticos da moda, que as preenchem com os cultos shaftesburianos mais caducos.
Enquanto no tratado vai dizendo que o Antinous ilustra em perfeição a beleza das proporções do corpo humano, com a linha serpentina, citando as próprias palavras do pintor e teórico francês Dufresnoy, na gravura que ilustra a passagem não resiste a gozar com o estereótipo em que este classicismo tinha sido convertido.
John Essex e Antinous

Quem dele se aproxima, todo empertigado, dando-lhe a mão em gesto de assédio, não é mais que John Essex, o famoso mestre de dança que Hogarth já havia satirizado no Rake’s Progres.

A Rake’s Progress, 1732–33 (2)

Com um pedante tão impertinente a admirá-lo, até o belo e divino moço, amante do Imperador Adriano, parece preferir virar-se para a Vénus de Médicis. O admirador da cópia do cânone masculino desta estância não é mais que um artista dançarino, cujos trejeitos eram tão úteis quanto a estatuária replicada para animar os salões dos possidónios londrinos.


Ver:
Ronald Paulson, Hogarth, Volume III: Art and Politics 1750-1764
*Na verdade, a estátua representada é um cópia do Hermes de Praxíteles que na altura era confundida com uma figuração de Antinous

2 comments on “Maneirismos e excitações por réplicas mortas”

  1. zazie says:

    ehehe
    “muito obrigados, muito obrigados” que isto foi mais “recortes”. Estava com ideia de fazer aquela macacada de se passar com o rato em cima da imagem e saltarem partes dela cá para fora, mas não tive pachorra.

    Beijocotas
    (este Hogarth era muito maluco)

  2. Antónimo says:

    Brilhante! Se eu fosse comentador desportivo, diria que estes dois últimos posts estão “ao teu melhor nível”. Divertidíssimo, com as legendas todas e um muito útil hipertexto. E a “Venus mise a nu par ses admirateurs, même”… já entra pela genialidade.

    Grandes beijocas.

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