O clero, agente do obscurantismo
«(…)É claro que, na altura, estes exageros não passavam por extravagâncias, reflectiam a opinião do tempo. Não havia nada gratuito ou inocente nisso, pelo contrário… A seguir à promulgação das leis sobre a escolaridade obrigatória, os livros escolares endoutrinavam as crianças desde tenra idade.
Sem hesitações e sem medo do ridículo, os manuais de história acusavam a igreja medieval de ter feito tudo para manter os homens num estado tal de ignorância; todos eles diziam que, para o clero, a «difusão dos livros era o triunfo do diabo», ou que «a ignorância era premiada, na Idade Média». Ao lê-los, impunha-se a ideia de que a Igreja «reservara ciosamente para os seus monges, no mistério dos claustros, partículas de ciência que tinha o cuidado de não comunicar ao grande público».
Esses responsáveis pelo ensino, empenhados em moldar espíritos, seguiam de muito perto os seus mestres, sobretudo Michelet, que intitulava os capítulos da sua Histoire de France consagrados à Igreja: «Da criação de um povo de alienados», ou ainda «A proscrição da natureza.
E ainda hoje continuamos, em larga medida, a aderir a este descrédito. Alguns até diriam certamente que, até Jules Ferry, nada se fizera pela instrução do povo! Em todo o caso, truísmo e constantemente recordado, nos tempos «medievais» (porque não
«medievalescos»?, nenhuma escola nem nas aldeias nem nos bairros das cidades, a não ser para uns poucos de privilegiados… imediatamente destinados às carreiras eclesiásticas. Ora eis-nos no erro mais total, pois todo o tipo de documentos(arquivos contabilísticos dos municípios e arquivos judiciários, registos fiscais) atestam amplamente a existência, em diferentes países, de mestres-escola de profissão, devidamente encartados e remunerados, para além do prior e dos seus assessores. Em Paris, em 1380, Guillaume de Salvadille, professor de teologia do colégio dos Dezoito, chefe de «pequenas escolas» da cidade, reúne os directores dessas escolas, em que se ensinava às crianças a leitura, a escrita, o cálculo e o catecismo; apresentavam-se vinte e duas «mestras» e quarenta e um «mestres», todos não clérigos, entre os quais dois bacharéis em direito e sete mestres das artes»Citado por J. Guiraud, Histoire partielle, Histoire vraie, t. I, Paris, 1912, p. 58
—quanto a MICHELET, Histoire de France VII, 27 e 36.Jaques Heers, A Idade Média, uma impostura, Porto, Edições Asa, 1994