A santa alegria

A minha loucura
Devo-a ao rei do céu.
Ainda que seja louco,
Segundo o julgamento dos homens,
posso muito bem compor um poema.

Dos três seres
Mais loucos do mundo:
Uma jovem apaixonada,
Um menino e um louco.

Faço parte da terceira categoria,
E dou graças ao Rei.
Deus tirou-me a razão
Sem me pedir autorização
E condenou-me
Ao absurdo.

Chamarem-me louco é injusto:
Deus deu-me o maior bom senso.
Louco amaldiçoo o céu;
Sábio, arrependo-me.

Às vezes a razão volta por um tempo
E sou o homem mais sábio debaixo do Sol.
Julgo eficazmente
todos os homens do mundo.

Outras vezes sou insensato e louco;
Então os homens do mundo
perseguem-me pois
deixo de ser o sendeiro de todos.

Se há alguma verdade
No feliz destino que Jesus acorda ao insensato
Se a loucura é o que Deus amou
A sabedoria vale mais que a insanidade?

Mac-dá-Cherdá
( o louco dos Déisi- séc. VII- Irlanda)

John Saward* acrescenta que nas primeiras sagas irlandesas de loucos cada santo não manifesta apenas uma santa loucura, do mesmo modo que os loucos não são apresentados claramente como santos.
Santos e perturbados mentais são mostrados em estreita associação. O santo, por caridade é amigo de todos, partilhando a alegria inconsciente do louco. E este, que não pretende ser santo, partilha também do esplendor do santo.

  • *John Saward, Folly for Christ’s Sake in Catholic and Orthodox Spirituality, Oxford University Press, 1980.

5 comments on “A santa alegria”

  1. endéxe dediée à Paulo Teixeira Pintô:

    Quiseste imitar o Almada,
    Saíu-te cara a granada.

    Atenção:

    Teu filho, retorno seguro,
    Emigrou, era filho de um duro.

    Mantêm tuas patinhas sebosas longe da Arte.

  2. MC says:

    os nossos tempos são bárbaros, mesmo. Sobretudo com os desalinhados a um certo cinismo e mediocridade latentes e reinantes.

    Gosto muita da expressão “loucura mansa”. Os santos viverão desse modo. Não são, de certo, proselitistas e juízes da consciência alheia.

  3. zazie says:

    eehe
    z, bjcs
    ……….
    MC,
    A tradução é minha e foi um tanto à letra. Mas o que me interessa nestes casos (e são muitos) é o facto de não serem fábula e colocarem em causa toda a integração social.

    Eles são vistos com desconfiança pelos cenóbios (muitos até largam a comunidade, tornando-se rebeldes) e são igualmente vistos de forma contraditória pelas pessoas das aldeias e cidades.

    Depois, não pregam nada, não querem convencer ninguém, limitam-se a levarem eles ao extremo- (por vezes em competições atléticas) a capacidade de despojamento que é feita com alegria.

    Por último, confundem-se com a loucura mansa de quem não quer ser santo e é apenas alguém à margem.

    Tens exemplo literário idêntico, no D. Quixote- o da triste figura.

    Hoje em dia estas coisas são terapêuticas, já que todo o imbecil é capaz de falar em sucesso e carreira e quem é pobre ou se desintegra até é perseguido e estigmatizado.

    Quais serão os tempos mais bárbaros, né?

  4. José says:

    conjugaste muito bem a semântica, 🙂

    bjocas

  5. MC says:

    gostei muito do poema, Zazie. Não que seja grande fã da loucura, mas que ela é interpelante, é!

    Sim, é muito expressivo este poema.

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