Social-democracia- kaput

  • «Os mercados de capitais globais têm mais consequências. Tomam a social-democracia inviável. Por social-democracia entendo a combinação do pleno emprego financiado pelo défice, de um estado-previdência abrangente e de políticas fiscais igualitárias, que existiam na Grã-Bretanha até ao final dos anos 70 e que sobreviveram na Suécia até ao início dos anos 90.

    Esse regime social-democrata pressupunha uma economia fechada. Os movimentos de capitais eram limitados por taxas de câmbio fixas ou semi-fixas. Muitas das políticas centrais da social-democracia não podem ser sustentadas em economias abertas. Isto aplica-se ao pleno emprego financiado pelo défice e aos estados-previdência do período pós-guerra. Aplica-se igualmente aos planos sociais-democratas de igualdade. Todas as teorias sociais-democratas de justiça (tais como a teoria igualitária de John Rawls) pressupõe uma economia fechada.

    […]
    De um ponto de vista mais prático, é somente dentro de uma economia fechada que os princípios de igualdade podem ser aplicados. Nas economias abertas, estes princípios tomam-se impraticáveis pela liberdade de migração do capital — incluindo o «capital humano».

    Os regimes sociais-democratas pressupõem que os níveis elevados de provisões públicas podem ser financiados sem problemas pela tributação geral. Este pressuposto já não é sustentável. Já nem sequer é verdadeiro no contexto do que a teoria económica entende por bens públicos reais.

    […]
    A solução clássica para os problemas do financiamento dos bens públicos é a da coerção mutuamente aceite. Toda a gente admite que beneficiará se se produzirem bens públicos. Assim, resolve-se o problema da armadilha dos bens públicos—os oportunistas que procuram gozar deles sem contribuírem para a sua produção — requerendo que toda a gente contribua através da tributação.

    Esta solução clássica perde eficácia quando deixa de ser possível tributar o capital e as empresas móveis. Se as fontes de rendimento—capital, empresas e pessoas—são livres de migrarem para regimes de baixo nível de fiscalidade, a coerção mutuamente aceite não funciona como meio de pagamento de bens públicos. Os tipos e níveis de tributação colectada para o pagamento de bens públicos em qualquer estado não podem exceder significativamente os praticados em estados que, de outra forma, são comparáveis.

    A mobilidade global do capital e da produção, num mundo de economias abertas, tomou as políticas centrais das sociais-democracias europeias impraticáveis e, consequentemente, dificultou a resolução do problema actual do desemprego maciço.

    As teorias monetaristas que presentemente dominam os bancos centrais mundiais e as instituições financeiras transnacionais impedem qualquer possível equilíbrio entre a estabilidade de preços e o pleno emprego.

    As credenciais intelectuais de tais doutrinas não são particularmente dignas de registo. Elas parecem pressupor uma visão da vida económica tendentepara equilíbrios do tipo que Keynes criticou com persuasão. No nosso tempo, a visão do equilíbrio da vida económica foi anacronicamente ressuscitada pelas teorias das «expectativas racionais» emanadas da Universidade de Chicago. São teorizações controversas que não geram consenso geral mesmo entre os economistas mais convencionais.

    Contudo, estas teorias dúbias inspiraram os programas de ajustamento estrutural do Banco Mundial, que, em países tão remotos como o México e a Nigéria, impuseram depressões profundas e duradouras da actividade económica real na prossecução da legalidade fiscal. Os mercados globais de obrigações simulam estes programas de ajustamento estrutural. Impõem aos países do Primeiro Mundo as disciplinas deflacionárias do ajustamento estrutural, que falharam manifestamente como medidas de emergência nos países em vias de desenvolvimento.»

    John Gray, Falso Amanhecer.

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