Müntzer, profetas e marxistas
Segundo o relato na Historia que parece bastante plausível- o propheta fez um discurso apaixonado no qual declarou que Deus lhe prometera a vitória; que esconderia as balas dos canhões inimigos nas mangas do seu manto; e que, por fim, Deus moveria o Céu e a Terra para evitar a perda do seu povo. O efeito deste discurso foi acentuado pelo aparecimento de um arco-íris que, sendo o símbolo da bandeira de Müntzer, logo foi interpretado como uma prova do favor divino.
(…)
Entretanto os príncipes, como não reconhecessem resposta satisfatória à sua oferta, perderam a paciência e deram ordem para disparar os canhões. Os camponeses não estavam preparados para usar a artilharia de que dispunham nem para retirar. De forma que estavam ainda a cantar «Vem, Espírito Santo»- como se esperassem a todo o momento a Segunda Vinda- quando foi disparada a primeira e única salva. O efeito foi imediato e catastrófico; os camponeses abandonaram as fileiras e fugiram em pânico, enquanto a cavalaria inimiga ia no seu encalço e os chacinava às centenas(…)
Mas o papel histórico de Müntzer estava longe de ter terminado. É bastante natural que no movimento anabaptista que alastrou a seguir às Guerras Camponesas a sua memória tenha sido venerada, embora ele nunca se tenha considerado um anabaptista. Mais curiosa é a ressurreição e apoteose que lhe tem sido feita nos últimos anos. Desde Engels até aos historiadores comunistas de hoje- tanto russos como alemães- os marxistas ergueram Müntzer como um gigantesco símbolo, um prodigioso herói da «luta de classes». É uma visão ingénua, e fácil de rebater pelos historiadores não marxistas que assinalam as preocupações de natureza essencialmente mística de Müntzer, a sua indiferença pela situação material dos pobres. Todavia, este aspecto também é susceptível de exageros. Müntzer era um propheta obcecado por quimeras escatológicas que tentou traduzir para a realidade explorando o mal-estar social. Talvez um sólido instinto tenha no fundo levado os marxistas a reclamarem-se dele.
Norman Cohn, Na Senda do Milénio…