A aura das Vanitas

[Contrariando W. Benjamin]

Autor como performance/Assinatura como repetição

Francis Ford Coppola recordou a dificuldade em conseguir com que Marlon Brando começasse a trabalhar no set : «E, um dia, no quinto dia, cheguei e fiquei deslumbrado. Ali estava ele, e tinha cortado todo o cabelo, que é a imagem de Kurtz no livro. E eu disse-lhe, Marlon, o que é que aconteceu, isto quer dizer que vais fazer como Kurtz? Ele responde, sim, acho que vou fazê-lo como Kurtz do melhor modo. Respondi-lhe, mas tu disseste-me que isso não iria resultar, disseste-me que leste o livro e que nunca poderia resultar.
Ele respondeu, bem eu não li o livro, e eu disse-lhe, mas tu disseste-me que o tinhas lido, e ele respondeu, pois, mas menti”.

Douglas Gordon’s The Vanity Allegory (Exibition Checklist), Deutsche Guggenheim, 2005

8 comments on “A aura das Vanitas”

  1. zazie says:

    Ah, mas não. Ser confundido com o AJ é uma honra.

    ehehehe

    Eu não tenho regras no trato. É arbitrário mas depois não muda, torna-se um hábito.

    E isso tende a acontecer de forma recíproca. Com umas é logo por tu, com outras logo por v. e fica assim.

  2. JVA says:

    Aliás, a falta de escrúpulos nessa matéria até já me rendeu umas peripécias caricatas, quando, em contexto mais académico, desatei a tratar “o” Hegel por tu (“o Hegel dizia que…”) e a estender essas familiaridades aos reis (“o Afonso II fez isto”, “o Sancho fez aquilo”, e tal).

    Mas, vá lá, ser confundido com o AJ nem é particularmente insultuoso. Se fosse confundido com o Jaquináceo ou com aquela trupe dos “jugulares”, aí sim, ficaria ofendidíssimo – e outro galo cantaria.

  3. JVA says:

    Ah, não se apoquente muito com isso. Nunca tive grandes pruridos a respeito das “deferências no trato”, e ainda menos em contexto “virtual”; e se, na blogosfera, acabo por usar o “você” com quem não conheço é porque a esmagadora maioria desta gente tem idade para ser meu pai ou avô. É uma coisa que sai inconscientemente, sem dar por isso.

  4. zazie says:

    Ah, caraças. Desculpe mas não reparei que era o Estoira-Vergas.

    Pensei que fosse o Despastor de Rebanhos e tratei-o por tu.

    Consigo não tenho essas confianças no trato mas não me pergunte porquê.

    eheheheh

    V.s usam esses acrónimos todos iguais e eu vi um J e pronto, fui logo para o afugentador de ovelhas, quando v. prefere estourar outras coisas.

  5. zazie says:

    Podes crer. Sabia mesmo muito.

    Para mim ele é o filme.

    Mas este texto é da exposição do Douglas Gordon.

    Encomendei as vanitas dele, numa caixinha linda que até tem um espelho numa fissura ao centro.

    ehehe

    Agora tenho estado a digitalizar uns postais com estes textos.

    A tradução há-de estar um tanto tosca porque fui eu que a fiz.

    Beijocas, malandro.

  6. JVA says:

    Essa cena ao som de Wagner é bem esgalhada; mas nada supera os quarenta minutos finais, quando o Marlon Brando entra em cena. Aquilo é uma coisa magistral.

    (arrisco mesmo uma heresia: até acho que está uns bons furos acima do Don Corleone de que se fala sempre.)

    E é curioso que o sacripanta do Brando tenha arrancado uma prestação daquelas sem pegar no “Heart of darkness” – porque o Kurtz dele não se limita a decalcar o Kurtz do livro. Desde logo, fisicamente: o Kurtz “literário” é baixo, magro, tem uma guedelha exuberante e é muito mais frenético e agitado do que o do filme. E, no entanto, o Brando captou o essencial: uma certa abjecção, aquele poder magnético e o modo de dar vida àquelas tiradas sublimes. Sabia da poda, o gajo.

  7. zazie says:

    Viva, Laoconte,

    Já não vejo o filme há muito tempo.

    Na verdade, este foi um não-post
    eheh

    Ando sem tempo para o Cocanha e estava às voltas com as vanitas e o Douglas Gordon e este veio parar aqui porque já tinha digitalizado e traduzido o texto.

    O que é curiosa é a verdade do livro ser encenada pelo instinto do Brando.

    E ele é o Kurtz e é o filme.

  8. Laoconte says:

    vi mais do que cinco vezes esse filme e foi aí que aprendi uma nova dimensão da musica classica com imagens fantasticas como a “cavalgada de helicopteros”. Para mim, a cena mais emocionante e que vai mesmo ao coração mais negro/trágico é quando o Kurtz expressava a sua compreensão sobre o porquê é que os inimigos vietcongs amputavam os braços das crianças que foram vacinados pelos americanos. Até hoje, essa violência figurativa me perseguia. Pena que os americanos e os seus aliados já esqueceram dos horrores dessa guerra.

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