Bento XVI é parte da solução, e não parte do problema

Não sou crente. Educado na fé católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir os chamados “escândalos de pedofilia” na Igreja Católica. Até porque não sei se, como escreveu António Marujo neste jornal – no texto mais informado publicado sobre o tema em jornais portugueses -, estamos ou não perante “A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos”.

Tendo porém a concordar com um outro agnóstico, Marcello Pera, filósofo e membro do Senado italiano, que escreveu no Corriere della Sera que se, sob o comunismo e o nazismo, “a destruição da religião comportou a destruição da razão”, a guerra hoje aberta visa de novo a destruição da religião e isso “não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie”. Por isso acho importante contrariar muitas das ideias feitas que têm marcado um debate inquinado por muita informação errada ou manipulada.

Vale por isso a pena começar por tentar saber se o problema da pedofilia e dos abusos sexuais – um problema cuja gravidade ninguém contesta, ocorram num colégio católico, na Casa Pia ou na residência de um embaixador – tem uma incidência especial em instituições da Igreja Católica. Os dados disponíveis não indicam que tenha: de acordo com os dados recolhidos por Thomas Plante, professor nas universidades de Stanford e Santa Clara, a ocorrência de relações sexuais com menores de 18 anos entre o clero do sexo masculino é, em proporção, metade da registada entre os homens adultos. É mesmo assim um crime imenso, pois não deveria existir um só caso, mas permite perceber que o problema não só não é mais frequente nas instituições católicas, como até é menos comum. Tem é muito mais visibilidade ao atingir instituições católicas.

Uma segunda questão muito discutida é a de saber se existe uma relação entre o celibato e a ocorrência de abusos sexuais. Também aqui não só a evidência é a contrária – a esmagadora maioria dos abusos é praticada por familiares próximos das vítimas – como o tema do celibato é, antes do mais, um tema da Igreja e de quem o escolhe. Não existiu sempre como norma na Igreja de Roma e hoje esta aceita excepções (no clero do Oriente e entre os anglicanos convertidos). Pode ser que a norma mude um dia, mas provavelmente ninguém melhor do que o actual Papa para avaliar se esse momento é chegado – até porque talvez ninguém, no seio da Igreja Católica, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa como Bento XVI.

>Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes “escândalos” é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa. Não tenho espaço, nem é relevante para esta discussão, para explicar as múltiplas deturpações e/ou omissões que têm permitido dirigir as setas das críticas contra Bento XVI, mas não posso deixar de recordar o que ele, primeiro como cardeal Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como sucessor de João Paulo II, já fez neste domínio.

té ao final do século XX o Vaticano não tinha qualquer responsabilidade no julgamento e punição dos padres acusados de abusos sexuais (e não apenas de pedofilia). A partir de 2001, por influência de Ratzinger, o Papa João Paulo II assinou um decreto – Motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela – de acordo com o qual todos os casos detectados passaram a ter de ser comunicados à Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger enfrentou então muitas oposições, pois passou a tratar de forma muito mais expedita casos que, de acordo com instruções datadas de 1962, exigiam processos muito morosos. A nova política da Congregação para a Doutrina da Fé passou a ser a de considerar que era mais importante agir rapidamente do que preservar os formalismos legais da Igreja, o que lhe permitiu encerrar administrativamente 60 por cento dos casos e adoptar uma linha de “tolerância zero”.

Depois, mal foi eleito Papa, Bento XVI continuou a agir com rapidez e, entre as suas primeiras decisões, há que assinalar a tomada de medidas disciplinares contra dois altos responsáveis que, há décadas, as conseguiam iludir por terem “protectores” nas altas esferas do Vaticano. A seguir escolheu os Estados Unidos – um dos países onde os casos de abusos cometidos por padres haviam atingido maiores proporções – para uma das suas primeiras deslocações ao estrangeiro e, aí (tal como, depois, na Austrália), tornou-se no primeiro chefe da Igreja de Roma a receber pessoalmente vítimas de abusos sexuais. Nessa visita não evitou o tema e referiu-se-lhe cinco vezes nas suas diferentes orações e discursos.

Agora, na carta que escreveu aos cristãos irlandeses, não só não se limitou a pedir perdão, como definiu claramente o comportamento dos abusadores como “um crime” e não apenas como “um pecado”, ao contrário do que alguns têm escrito por Portugal. Ao aceitar a resignação do máximo responsável pela Igreja da Irlanda também deu outro importante sinal: a dureza com que o antigo responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé passou a tratar os abusadores tem agora correspondência na dureza com que o Papa trata a hierarquia que não soube tratar do problema e pôr cobro aos crimes.

De facto – e este aspecto é muito importante – a ocorrência destes casos de abusos sexuais obriga à tomada de medidas pelos diferentes episcopados. Quando isso acontece, a situação muda radicalmente. Nos Estados Unidos, país onde primeiro se conheceu a dimensão do problema, a Conferência de Dallas de 2002 adoptou uma “Carta para a Protecção de Menores de Abuso Sexual” que levaria à expulsão de 700 padres. No Reino Unido, na sequência do Relatório Nolan (2001), acabou-se de vez com a prática de tratar estes assuntos apenas no interior da Igreja, passando a ser obrigatório dar deles conta às autoridades judiciais. A partir de então, como notava esta semana, no The Times, William Rees-Mogg, a Igreja de Inglaterra e de Gales “optou pela reforma, pela abertura e pela perseguição dos abusadores em vez de persistir no segredo, na ocultação e na transferência de paróquia dos incriminados”.

Bento XVI, que não despertou para este problema nas últimas semanas, não deverá precipitar decisões por causa desta polémica. No passado domingo, durante as cerimónias do Domingo de Ramos, pediu aos crentes para não se deixarem intimidar pelos “murmúrios da opinião dominante”, e é natural que o tenha feito: se a Igreja tivesse deixado que a sua vida bimilenar fosse guiada pelo sentido volátil dos ventos há muito que teria desaparecido.

Ao mesmo tempo, como assinalava John L. Allen, jornalista do National Catholic Reporter, em coluna de opinião no New York Times, “para todos os que conhecem a experiência recente do Vaticano nesta matéria, Bento XVI não é parte do problema, antes poderá ser boa parte da solução”.

Uma demonstração disso mesmo pode ser encontrada na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, de 25 de Dezembro de 2005, ano em que foi eleito. Boa parte dela ocupa-se da reconciliação, digamos assim, entre as concepções de “eros”, o termo grego para êxtase sexual, e de “ágape”, a palavra que o cristianismo adoptou para designar o amor entre homem e mulher. Se, como referia António Marujo na sua análise, o teólogo Hans Küng considera que existe uma “relação crispada” entre catolicismo e sexualidade, essa encíclica, ao recuperar o valor do “eros”, mostra que Bento XVI conhece o mundo que pisa.

Por isso eu, que nem sou crente, fui informar-me sobre os casos e sobre a doutrina e escrevi este texto que, nos dias inflamados que correm, se arrisca a atrair muita pedrada. Ela que venha.

José Manuel Fernandes, Público de hoje.

9 comments on “Bento XVI é parte da solução, e não parte do problema”

  1. zazie says:

    ehehehehe

    Tinha que ser o maluquito africano.

    Ó meu grande maluco, então vinhas aqui com falinhas mansas fazer propaganda?

    Faz um blogue, pá.

    A sério, acerca desta treta já tivemos vários serões de conversa. O que eu gostava era que me contasses mais coisas aí dos chineses no porão.

    Beijocas, seu malandro de Politólogo da cubata.

  2. Ricciardi says:

    (experiência)

    ai o cara…

    RB

  3. Politólogo says:

    Olha olha… vês, apenas meto o meu email ricciardi.b@gmail.com e o codigo e aparece Politólogo… mas o que é isto? meuss amigoses

    RB

  4. Politólogo says:

    ehehehe

    Epá, esta caixa de comentário (re)batizou-me como Politólogo… não percebi, mas pronto deve ser por obra e graça, ou só mesmo uma graça do Espirito Santo. ehehe

    RB

  5. zazie says:

    Portanto, o seu comentário nada tem a ver com o texto do JMF.

    E v. ou nunca estudou nada da tradição religiosa e descobriu agora a pólvora, ou então está cobrar ao Papa questões para as quais, ele sim, já tinha tido directivas que até conseguiram que a escardalhada ateia marinhasse pelas paredes e o apelidasse de homofóbico.

    O Papa já tinha exigido que houvesse testes psicológicos no acesso aos que oficiam. E isto para evitar que entrem tarados e homossexuais.

    E eu acho muito bem. Antes cuidados a mais que a menos. Os homo são naturalmente pessoas demasiado lúbricas para poderem viver sem sexo.

  6. zazie says:

    Politólogo?

    RB?

    É Ricciardi da cubata?

    Se é já sabe o que eu penso disso tudo, porque já trocámos dezenas de comentários sobre o assunto.

    Se não é o Ricciardi, posso linkar-lhe as caixinhas de comentários do Blasfémias e Portugal Contemporâneo onde disse tudo o que tinha a dizer sobre o assunto.

    E aqui, no Cocanha, bastaria ir aos históricos para encontrar iconografia medieval que mostra bem como nesse tempo o monge sado maso, a homossexualidade nos conventos e os espancamentos e outras cenas pedófilas eram habituais.

    Portanto, como eu da Igreja só conheço este passado iconográfico que estudo- e até cheguei mesmo a defender a ideia que a personagem do Diácono Remédios- retratava, muito possivelmente, o sentido das imagens eróticas e pornos, habituais na marginalida medieval- mais do que a exemplaridade moral- para mim não há grande novidade.

    Agora o que há é outra coisa- estes casos têm décadas- aconteceram no passado- não são coisas recentes pelas quais o Papa tenha qualquer responsabilidade.

    E, na altura em que aconteceram, houve encobrimento da Igreja- acho que sim, que houve- por ter um problema muito antigo de hipocrisia com o sexo- mas também houve da sociedade, do Estado e até da polícia, que se marimbou para essas queixas.

    E isto só apareceu agora porque este Papa incomoda muito poder. E foi desde a ida aos USA- onde cascou forte e feio nos neoconeiros, e depois defendeu os palestinainos, que estranhamente aparecem campanhas nos jornais.

    E é claro que os tugas que votam num partido que chamou cabala ao Caso Casa Pia e ainda levou em triunfo um entalado até à Assembleia, são as últimas pessoas do mundo a poderem armar-se em indignadas com isto.

  7. Politólogo says:

    Bem, a questão não se coloca na maior ou menor frequencia com que a pedofilia é praticada entre membros da Igreja em relação à sociedade civil em geral… pá, eles, os padres, não podem ser diferentes do género humano.

    A questão é outra… a sonegação dos casos de pedofilia e a participação da hierarquia nessa ocultação. Isso sim é grave.

    Dizes que o Papa é grande… mas parece-me só o ser agora, que a coisa se tornou pública.

    A igreja mudou radicalmente de posição (felizmente)… antes ocultava os criminosos, hoje denuncia-os; é uma evolução que não apagará o postura anterior sem que os ocultadores sejam expostos e presos.

    RB

  8. zazie says:

    Pois é verdade, Laoconte, o Ratzinger é um grande Papa e por isso não admira que incomode grandes poderes.

    Uma boa Páscoa para si e obrigada por deixar aqui o texto.

  9. Laoconte says:

    Papa pede «mudanças profundas» para resolver crises da actualidade
    Bento XVI lembra situações de guerra, violência e perseguição na sua mensagem pascal

    Bento XVI pediu este Domingo que haja “mudanças profundas” para que a humanidade possa sair “de uma crise que é profunda”, que inclui várias situações de guerra, violência e perseguição.

    Na sua tradicional mensagem “Urbi et Orbi” de Páscoa, desde o Vaticano, o Papa defendeu que “a humanidade tem necessidade de um «êxodo», não de ajustamentos superficiais, mas de uma conversão espiritual e moral”.

    Neste contexto, apelou a solusções para o Médio Oriente, pedindo que “os povos realizem um verdadeiro e definitivo «êxodo» da guerra e da violência para a paz e a concórdia”.

    Após lembrar “as comunidades cristãs que conhecem provações e sofrimentos, especialmente no Iraque”, o Papa rezou pelos “cristãos que, pela sua fé, sofrem a perseguição e até a morte, como no Paquistão”.

    “O Ressuscitado ampare os países assolados pelo terrorismo e pelas discriminações sociais ou religiosas e conceda a força de começar percursos de diálogo e serena convivência”, acrescentou.

    Bento XVI aludiu aos “países da América Latina e do Caribe que experimentam uma perigosa recrudescência de crimes ligados ao narcotráfico”.

    A mensagem papal recordou também a população do Haiti e do Chile, vítimas de violentos terramotos nos últimos meses, bem como os “conflitos que continuam a provocar destruição e sofrimentos” em África, de modo especial na República Democrática do Congo, Guiné e Nigéria.

    O Papa pediu também que “a actividade económica e financeira seja finalmente orientada segundo critérios de verdade, justiça e ajuda fraterna”.

    Em conclusão, Bento XVI deixou votos de que “a força salvífica da ressurreição de Cristo invada a humanidade inteira, para que esta supere as múltiplas e trágicas expressões de uma «cultura de morte» que tende a difundir-se, para edificar um futuro de amor e verdade no qual toda a vida humana seja respeitada e acolhida”.

    in w3 agencia ecclesia.pt

    Basta comparar o conteúdo desta mensagem original do Papa com as “censuras/omissões” nas noticias dos jornais para perceber as razões dessa campanha abjecta anglo-americana. O Ocidente está cada vez mais intolerante, cada vez mais parecido com o mundo de 1984 onde “Guerra é paz, Liberdade é escravidão, Ignorância é força”.

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