Este chamava-lhes franciús
“Há três espécies de Portugal dentro do mesmo Portugal; ou, se se prefere, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também. Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido. Há um terceiro português, que começa a existir quando Portugal, por alturas d’el-Rei D. Dinis, começou, de nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as descobertas, criou a civilização transoceânica, e depois foi-se embora.”
Fernando Pessoa
15 comments on “Este chamava-lhes franciús”
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não. Não percebo Cândida. Não percebo porque um inconsciente colectivo não se traduz em estupidez ou inteligência e não é factual ou indiviual. Percebes?
eu não perco tempo nesta feira de vaidades. o problema (que não é problema. é a realidade) é que já ninguém é só português. um cidadão de Portugal é um aldeão mundo-europeu de portugal. depois há em cada um de nós a casc: da cebola ou do tomate. e isso é que nos distingue enquanto seres inteligentes. ou estúpidos. percebes?
ahaha riqueza e bem estar. Aqui estão duas palavras que não têm equivalência ao esplendor e brilho das coisas raras que se guardam como tesouros e se oferecem como prendas e o bem-estar tanto existia na cavalariça quando se ia em viagem como no dossel onde se visitava a amada ou se recebia às escondidas o criado 🙂
Meu caro Harry Lime: o D. Sebastião era tão marado como o Infante D. Henrique. Eram ambos “medievais”. Vale a pena seguir os roteiros que eles escolhiam para atacar o inimigo. Se podiam chegar a um local mais rapidamente pela costa, preferiam escolher o longo caminho pelo interior. O que importava era a fazer a “viagem de cruzado” “;O))
«Porque D.Sebastião não sonhou com um império baseado, não no poder militar ou no poder da Fé, mas no poder comercial que proporcionasse riqueza e bem estar aos portugueses?»
Tendo em conta que ele era o português com mais riqueza e bem-estar de todos, não percebo, realmente, para que se deu ao trabalho ou se entregou sequer ao risco.
Tendo em conta o teor da descendência, vários séculos depois, que desperdício, que quixotice!…
Mas a essa pergunta a Zazie deve ter melhor resposta que eu.
Todavia, e já agora, sempre me suscita uma questão:
Haverá algum império comercial que se sustenha sem poder militar por detrás?
Ou acha que roubar os outros, além de imaculada, é uma actividade impune per si?…
Ao contrário do poeta, eu não penso que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Pelo contrário, a “alma” é um recurso escasso e, como tal, não deve ser desperdiçada em causas inuteis.
Calculo que o nosso problema é que a gastamos toda em Alcacer Quibir em vez de deixarmos um bocadinho para feitos mais proveitosos. :)))
Por outro lado, eu não penso que “a politica que levou à megalomania” se possa desligar dum certa ideia de coragem, fibra e “alma” tipicamente portugueses.
o povo corajoso e os bravos da Pátria foram estes. Não importa agora se a tática era má, se a loucura em excesso, se o mar não valia a pena. Valeu a alma, como disse o poeta e era nisso que estava a pensar quando li o Dragão e me lembrei do texto.
não me estou a referir à política que levou à megalomania mas às gentes que tinham essa fibra e que “simbolicamente” acabaram em Alcácer Quibir. Era isto.
Dragão,
A imagem do voo e da queda é interessante. É que eu penso que, devido à nossa natureza, aquele voo não poderia ter acabado senão com uma queda como aquelas…
D.Sebastião foi, usando uma linguagem um bocado baixa, um parvalhão. O que é que havia no norte de Africa de interessante no final do sec. XVI? Nada? As rotas comerciais já eram todas maritimas. Aquilo não tinha riqueza nenhuma que se visse.
Ele foi para lá porque queria establecer um Império Cristão no Norte de Africa! Uma ambição desmesurada para um povo tão pequeno como o nosso. D.Sebastião teve obviamente mais olhos do que barriga.
Eu não condeno os sonhos. o problema é que os sonhos portugueses são desde sempre (ou pelo menso foram-no naquela altura e continuam a sê-lo hoje) desmesurados.
Porque é que D.Sebastião não sonhou com um Imperio baseado, não no poder militar ou no poder da Fé, mas no poder comercial que proporcionasse riqueza e bem estar aos portugueses?
Nessa altura, os holandeses, uns pobres diabos que nem terra tinham, tiveram um sonho desses e em grande parte concretizaram-no.
Eu volto à minha ideia inicial: o problema de Portugal é a falta de realismo nas suas ambições. O texto de Fernando Pessoa é sintomatico: ele chora um imperio caido mas o que é que ele pode fazer acerca disso? O melhor é andar em frente e não chorar sobre o leite derramado.
Foi sobre essas ilusões que se foi construindo o pequenino fascismo que nos governou durante quase 50 anos.
Se lhe quiseres chamar ambições de voar baixinho, ou jogar pelo seguro ou postura rastejante tudo bem.
pois é, não vou acrescentar nada. O Dragão já disse tudo e nestas coisas somos alinhas gémeas.
Estamos a falar de fibra, de alma, de coragem. Se isso se perdeu juntamente com loucura em Alcácer Quibir é porque se calhar sem uma não existe outra.
Mas eu desconheço o proveito dos “bons valores burgueses” e “reaccionário” é ideia que tenho de quem não entende que a evolução mais natural é a segue a lenta sedimentação das coisas. Como na natureza. A única que permanece e se mantém hirta como as pedras.
Quer dizer, tudo correu bem enquanto não correu mal. Enquanto correu bem, porreiro, eramos catitas; quando correu mal, tornámo-nos logo uns trastes.
Mas Portugalidade pode ser traduzido por “independência”: um país pode ser mais ou menos independente – cultural, economica e politicamente (está tudo ligado). Assim como uma pessoa.
Em Alcácer-Quibir perdemos a força, como já antes perderamos o tino por excessos e opulências saloias. Daí a perdermos a independência, foi fatal.
Desde então nunca mais verdadeiramente a recuperámos. Tentámos, aqui e ali, para logo sossobrarmos à intriga intestina, à preguiça existencial, à lorpice.
Mas, no fundo, o caro amigo culpa o voo pela queda. Portanto, profilacticamente, o melhor é conformarmo-nos com a postura rastejante: assim não caímos, de certeza.
Mesmo o Sebastião, o nosso Rei-Quixote, anacrónico, é ridículo porque não se conformou. Porque, apesar de já não ter grandes asas, ainda teimou em voar.
Se calhar é um instinto irresistível que arde em nós.
Ou o melhor, então, era nunca ter embarcado? Seguir a tese do Velho do Restelo que, prudentemente, lobrigava, profeticamente, mais longe.
Só que, tudo bem pesado, ó Harry, qual é, de facto, a postura reaccionária aqui?
Qual é que está refém do ressentimento reactivo?
Qual é que quer conservar a postura segura, tecnoeficiente, doméstica?
Qual é que se aninha em dogmas confortáveis?
Qual é que não sonha, apenas pasta?
Dragão,
Claro que não posso concordar com isso! Em primeiro lugar porque não considero que exista uma “portugalidade” para corromper. Ou se existe ela estava corrupta desde o principio.
Temos de ver sempre em que condições históricas é que foi feita a expansão maritima portuguesa.´A nossa expansão iniciou-se no inicio do sec. XV por que tinhamos uma necessidade: enriquecer um pais empobrecido pelas crises (e não foram poucas do sec. XIV) de forma a garantir a nossa autonomia definitiva em relação a Espanha (na sequencia da crise 1383-85).
Em segundo lugar expandimo-nos para o mar porque tinhamos os meios: do ponto de vista de tecnologia maritima estavamos claramante à frente da Europa.
E assim começamos a nossa expanasão. Tudo correu bem enquanto os nossos governantes não tiveram a ilusão de criar um Império a partir de uma nação que manifestamente não tinha meios para tal.
D.João II, pçor exemplo, tinha perfeita consciencia de que Portugal sozinho não tinha condições para manter um imperio e por isso fez uma aproximação a Espanha que poderia ter dado frutos.
Portugal na melhor das hipoteses, poderia ter-se establecido uma espécie de Império comercial à imagem e semelhança da Holanda.
Infelizmente, de D.Manuel I para frente a ambição de criar um Império cresceu desmedidamente e desembocou em Alcacer Quibir, de longe o episodio mais ridiculo da nossa história. Por outras palavras, a mania das grandezas ou o excesso de autoestima não é de agora. O verdadeiro portugues: demasiado vaidoso, demasiado fantasista, com “excesso de autoestima” foi o que nos levou a alcacer Quibir. E esse portugues não morreu. Mantem-se hoje bem vivo (infelizmente)
Depois de alcacer Quibir o que se criou nos últimos 400 anos foi um sentimento de nostalgia em relação a esse tempo perdido.
O fim dessa Raça, ao contrário, do que pensa Pessoa (e todos os intelctuais citados) não se deve a nenhuma perniciosa influencia estrangeira deve-se sim aos nossos defeitos de “fabrico”. Tão presentes agora como em 1578.
caro Harry,
Confira bem os dados históricos. Veja o que já Camilo dizia do Parlamentarismo “importado” via liberalismo, na “Queda dum Anjo”. Repare que em 1820, Garrett, um dos entusiastas liberais, chega de Inglaterra, onde se instruíra nas belas teses progressistas. Analise o percurso de Herculano. Não vou maçá-lo com ninharias como a ocupação espanhola, francesa, inglesa, etc, e as derivas das classes sociais cá do burgo nesses entrechos.
O Pulido Valente, para não variar, confunde autoestima com vaidade, jactância, ostentação, novo-riquismo atávico. Qualquer psicólogo de quiosque lhe explicaria que isso é precisamente sintoma não de excesso de auto-estima, mas, ao contrário, de complexo de inferioridade.Esse mesmo que leva à imitação descriteriada e acéfala do sucesso dos outros. Pessoa explica bem o ponto de viragem: quando se passa dum país de pioneiros activos a um país de invejosos reactivos.
É o ter não fome, mas gula da sobremesa alheia. Que somos pobrezinhos, porque imitamos mal. Que somos Portugal porque não somos a Bélgica.
Mas o caro Harry, a certa altura, diz uma coisa muito interessante:
“Não posso de forma alguma concordar com uma coisa dessas”.
Se me permite a questão: Porquê?
Concordo e discordo deste texto (bem como da tese do Dragão).
O problema não está nos que tentam imitar o estrangeiro. O problema está em que, apesar de estudarem no estrangeiro e de seguirem as modas “francesas”, os “francius” não conseguem fugir à sua própria natureza. Mão conseguem fugir aos vicios e às manias da “portugalidade”. Essa “portugalidade” está bem expressa no texto de Fernando Pessoa quando ele relaciona o declinio de Portugal com a morte de D.Sebastião (o governante mais ridiculo que alguma vez governou esta terra).
O texto de Fernando Pessoa é extremamente reaccionário e parte do pressuposto contrário: de que foram as modas estrangeiras que corromperam o espirito do “verdadeiro portugues” e especialmente o nossa elite governante.
Não posso de forma alguma concordar com uma coisa dessas.
Essa corrupção a ter acontecido nalgum momento foi com a Geração de 70 (que começou pela primeira vez a fazer comparações com a Europa– Eça e Ramalho Ortigão não fazem outra coisa) e com as humilhações sofridas por Portugal às mãos dos inglesas por altura do famoso “Mapa Cor de Rosa”.
PS. De repente, a proposito deste texto de Fernando Pessoa, veio-me à cabeça uma famosa afirmação de Vasco Pulido Valente em que ele afirmava qualquer coisa do estilo:
“o problema dos portugueses não é a baixa autoeestima, é exactamente o contrário: é o excesso de auto-estima. Se os portugueses não pensassem que, no fundo, são melhores que os outros há muito que teriam resolvido os seus problemas olhando lá para fora e adoptando os bons exemplos”
A citação não é exactamante esta mas vai neste sentido e o texto de Pessoa é sintomático do excesso de autoestima dos portugueses que os leva no fundo a serem, tal como Pessoa, profundamente conservadores.
Exactamente.
Só não tenho a certeza se o “terceiro português” se foi mesmo embora, se dorme, ou se, pura e simplesmente, está no desemprego.
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