o macaco e o cortesão
Um dos conceitos que Castiglione explica é a aprendizagem da sprezzatura. A sprezzatura é a principal arte que o cortesão deve dominar para fazer carreira em sociedade Consiste em saber tirar partido das situações sociais, fazendo o que há a fazer, dando os golpes que são precisos, mas aparentando sempre o ar de quem não quer a coisa.
Pois, a dada altura do diálogo, Castiglione põe um fidalgo a contar ao duque de Urbino um caso que presenciara na corte do nosso venturoso D. Manuel I.
No meio de tanta bicharada com que o monarca gostava de se rodear, havia um macaco muito dotado para jogos de xadrez. Nesse dia, o fidalgo navegador que o havia trazido, decidiu jogar uma partida com o bicho, diante do monarca. Pois, para vergonha sua, em três tempos o ingrato nem teve em conta a boa vida que lhe devia e deu-lhe xeque-mate sem mais demoras. O fidalgo, enfurecido pela desfeita, puxou da chibata e vergastou-o fortemente na cabeça. O animal bem guinchou, pedindo ajuda régia mas o monarca mantinha-se impávido e sereno perante os dois. O fidalgo é que não se ficou e requereu desforra ao talentoso mono.
E lá se sentaram para segunda partida. Não foi preciso muitas movimentações de peões e cavalos para que o bugio se apercebesse que o jogo estava de novo ganho. Mas, lembrando-se do anterior castigo, disfarçou e colocou muito lentamente a mão esquerda no antebraço do fidalgo que apoiava o corpo a uma almofada de tafetá, avançou rapidamente o xeque fatal com a direita, ainda a tempo de fazer desequilibrar fidalgo, surripiando-lhe com a esquerda a almofada para proteger a cabeça com ela.
E conta o convidado ao duque de Urbino que o macaco desatou aos pulos e aos gritos em frente de D. Manuel como que a festejar o triunfo, mostrando que ali o cortesão era ele.
a história é também relatada por Camilo Castelo Branco nos Narcóticos