Pregação na praça pública

Mais raros do que as procissões e as execuções eram os sermões dos pregadores itinerantes que vinham despertar o povo com a sua eloquência. O moderno leitor de jornais não é capaz de imaginar a violência da impressão causada pela palavra sobre espíritos ignorantes e desprovidos de qualquer ideal. O franciscano frei Ricardo pregou em Paris, em 1429, durante dez dias consecutivos. Começava às cinco horas da manhã e falava sem interrupção até às dez ou onze, quase sempre no Cemitério dos Inocentes. Quando, ao terminar o seu décimo sermão, anunciou que era o último porque não tinha permissão de pregar mais, «grandes e pequenos choraram tão comovida e amargamente como se estivessem a ver enterrar os melhores amigos; e ele também». Pensando que ele ia pregar mais um sermão no domingo, em S. Dinis, para lá se dirigiram no sábado os fiéis, passando a noite ao ar livre para conseguir bons lugares.

Outro frade menor, António Fradin, proibido de pregar pelo magistrado de Paris por ter feito criticas ao governo, foi guardado dia e noite no convento da ordem por mulheres, postadas em volta do edifício, armadas de machados e pedras. Em todas as cidades onde o famoso dominicano Vicente Ferrer é esperado, o povo, os magistrados, o baixo clero e mesmo os prelados e os bispos vão ao seu encontro saudá-lo com cânticos. Ele viaja com numeroso e sempre crescente cortejo de adeptos que, todas as tardes, depois do pôr do Sol, dão volta à cidade em procissão cantando e flagelando-se. Têm de nomear-se encarregados especiais para tratar do alojamento e da alimentação destas multidões.
Grande número de frades de várias ordens religiosas acompanham-no a toda a parte para lhe assistir na celebração da missa e na confissão dos fiéis. Vão também alguns notários para lavrar no local as actas de reconciliação resultantes das pregações deste santo. O seu púlpito tem de ser protegido por vedações contra a pressão da massa de povo que quer beijar-lhe a mão ou as vestes.
Sempre que ele prega um sermão o trabalho pára. Raramente deixa de comover os seus ouvintes até às lágrimas. Quando fala do Dia do Juízo, do Inferno, da Paixão, tanto ele como o auditório choram tão copiosamente que tem de suspender a prédica até que cessem os soluços. Os próprios malfeitores se rojam aos seus pés, primeiro que quaisquer outros, confessando os seus enormes pecados. Um dia, enquanto pregava, viu conduzir dois condenados à morte—um homem e uma mulher— para o local da execução. Pediu que adiassem o acto, mandou colocar os condenados junto do púlpito e continuou o seu sermão falando acerca dos pecados deles.Depois do sermão apenas se encontraram alguns ossos no lugar que os condenados ocupavam e o povo ficou convencido de que as palavras do santo tinham, ao mesmo tempo, conseguido a consumpção e a salvação dos dois.

Depois de Olivier Mailiard ter pregado os sermões da Quaresma em Orleães, os telhados das casas que rodeavam a praça donde ele se dirigia ao povo ficaram tão danificados pelos espectadores que para lá subiram que o pedreiro que os consertou apresentou uma conta de mais de sessenta dias de trabalho.

As diatribes dos pregadores contra a dissolução e a luxúria produziam estados de excitação que se transformavam em actos. Muito antes de Savonarola iniciar as Queimas dos objectos de luxo e de prazer em Florença, com irreparável perda para a arte, a prática de holocaustos desta natureza era já corrente tanto em França como na Itália. Às intimações de um pregador famoso, homens e mulheres apressavam-se a trazer cartas, dados e ornamentos para serem queimados com grande pompa. A renúncia ao pecado da vaidade, por este modo efectuada, tinha tomado uma forma definitiva e solene de manifestação pública, de acordo com a tendência da época para inventar um estilo para todas as coisas.

Toda esta receptividade para as emoções, as lágrimas, os arrebatamentos do espírito, deve ser lembrada se se quiser compreender como era tensa e violenta a vida daquele período.

Joahn Huizinga, O declínio da Idade Média


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Isto passava-se na Idade Média, quando as emoções galvanizadas na praça pública ainda não tinham sido convertidas em negócio pelos media.

5 comments on “Pregação na praça pública”

  1. MP-S says:

    AHAHAHAHAH

  2. Mas que pouca vergonha é esta!? Isto aqui não é o da Joana?!? Então vêm-me para aqui falar em coitos? coito e aborto do Pasolini? Mas o que é que esse gajo sabia de coito abortivo se aquilo nem funcionava por aí?

    Ide para os vossos lares e tende juízo, antes que eu seja obrigado a participar à sub-comandanta.

    Era o que mais faltava. Coitos de Pasolini no Cocanha só porque o outro da Opus anda numa narcísica e tem a tasca fechada…

    !:O?

  3. MP-S says:

    “Mas esta liberdade do coito para o «casal» tal como é concebido pela maioria – esta maravilhosa permissividade a seu respeito – por quem foi tacitamente desejada, tacitamente promulgada e tacitamente introduzida de maneira irreversível, nos hábitos? “

    Timshel: como nao posso ir atazanar-te a tua casa, aqui vai… 🙂

    O Pasolini tinha uns parafusos a menos (o que nao e’ pecado, diga-se) e esta frase e’ um exemplo. Onde e’ que se foi buscar a liberdade do coito para o casal? E’ isso que se esta’ a falar quando falamos do aborto? E’ uma substituicao para uma questao de costumes? Caramba, confesso que nao consigo acompanhar a subtileza do gajo…

  4. zazie says:

    o histerismo e a mentira- ler jornais e ver tv

    “:OP

  5. timshel says:

    update:

    a emoção e a razão – ver Damásio e Goleman

    a razão e a fé – ver Bento XVI ex-Ratzinger

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