O Nome do pai
{copiado na íntegra, com muito abuso e muito gosto}
Em todo o caso, o convívio e as experimentações deste último século instauraram algumas incertezas no espírito das pessoas menos desatentas. Para os mais optimistas, o homem não evoluiu do macaco: estagnou nele. Para os pessimistas, não evoluiu nem estagnou: regrediu. Regressão, essa, que teve uma acelaração acentuada precisamente a partir do momento em que se apercebeu do parentesco e desatou a proclamá-lo como se de uma bandeira gloriosa se tratasse. De uma vitória memorável da luz sobre as trevas. Bem, triunfo mental, de facto, só se for do hirsutismo sobre o obscurantismo, isto é, uma derrota dos obscurantistas sepulcrais perante os hirsutos estrídulos. Até porque faz tanto sentido dizer que evoluiu do macaco como apregoar que evoluiu das amibas ou protozoários. Ou dos répteis.
Quanto a mim, acho que há de tudo: tipos que evoluem, regridem e estagnam. Geralmente, o processo até é o mesmo: começam por acreditar que evoluíram, estagnam fervorosamente nessa crença e desatam a regredir por conveniência argumentativa e doutrinária. No fundo, são ainda mais criacionistas do que os crentes a quem vituperam. Em rigor, são recriacionistas. Onde os outros vislumbram uma criação especial de Deus, bispam eles uma banal recriação do Macaco. E da mesma forma que aqueles rezam ao Pai no Céu, salmodiam estes, ululantemente, em defesa do Pai na Selva. Em resumo, para uns vale Deus sobretudo, para outros “vale tudo menos Deus.” Até o Macaco.
Mas nada de confusões. Sublinho e garanto que não me importa nem contraria nada que chamem Pai ao Macaco. Ao Macaco ou à alimária totemística das suas preferências. Acho até muito justo. O parentesco é, de resto, mais que evidente. Os traços familiares são ostensivos. O intelecto, então, parece tirado a papel químico. Chamem-lhe Pai, chamem-lhe papá, chamem-lhe kota, é como lhes der mais jeito. Já a mim, sempre que lhes contenda com a veneta, podem chamar-me o que bem lhes der na simial gana. Tudo, claro está, menos irmão.
Para remate final, apenas declaro o seguinte: por mais que me guinchem e urrem, ministrando simbólicos murros na peitaça ou brandindo cascas de bananas e amendoins, continuo sem orçar minimamente onde raio reside o tão ufano e superlativo avanço – moral, cognitivo, o que seja – entre o servir de ovino nos rebanhos da religião e o servir de cobaia nos laboratórios da ciência. Direi mais, se me impuserem forçosamente à escolha, sempre prefiro que façam de mim parvo do que façam em mim experiências.
No Dragoscópio
Em todo o caso, o convívio e as experimentações deste último século instauraram algumas incertezas no espírito das pessoas menos desatentas. Para os mais optimistas, o homem não evoluiu do macaco: estagnou nele. Para os pessimistas, não evoluiu nem estagnou: regrediu. Regressão, essa, que teve uma acelaração acentuada precisamente a partir do momento em que se apercebeu do parentesco e desatou a proclamá-lo como se de uma bandeira gloriosa se tratasse. De uma vitória memorável da luz sobre as trevas. Bem, triunfo mental, de facto, só se for do hirsutismo sobre o obscurantismo, isto é, uma derrota dos obscurantistas sepulcrais perante os hirsutos estrídulos. Até porque faz tanto sentido dizer que evoluiu do macaco como apregoar que evoluiu das amibas ou protozoários. Ou dos répteis.
Quanto a mim, acho que há de tudo: tipos que evoluem, regridem e estagnam. Geralmente, o processo até é o mesmo: começam por acreditar que evoluíram, estagnam fervorosamente nessa crença e desatam a regredir por conveniência argumentativa e doutrinária. No fundo, são ainda mais criacionistas do que os crentes a quem vituperam. Em rigor, são recriacionistas. Onde os outros vislumbram uma criação especial de Deus, bispam eles uma banal recriação do Macaco. E da mesma forma que aqueles rezam ao Pai no Céu, salmodiam estes, ululantemente, em defesa do Pai na Selva. Em resumo, para uns vale Deus sobretudo, para outros “vale tudo menos Deus.” Até o Macaco.
Mas nada de confusões. Sublinho e garanto que não me importa nem contraria nada que chamem Pai ao Macaco. Ao Macaco ou à alimária totemística das suas preferências. Acho até muito justo. O parentesco é, de resto, mais que evidente. Os traços familiares são ostensivos. O intelecto, então, parece tirado a papel químico. Chamem-lhe Pai, chamem-lhe papá, chamem-lhe kota, é como lhes der mais jeito. Já a mim, sempre que lhes contenda com a veneta, podem chamar-me o que bem lhes der na simial gana. Tudo, claro está, menos irmão.
Para remate final, apenas declaro o seguinte: por mais que me guinchem e urrem, ministrando simbólicos murros na peitaça ou brandindo cascas de bananas e amendoins, continuo sem orçar minimamente onde raio reside o tão ufano e superlativo avanço – moral, cognitivo, o que seja – entre o servir de ovino nos rebanhos da religião e o servir de cobaia nos laboratórios da ciência. Direi mais, se me impuserem forçosamente à escolha, sempre prefiro que façam de mim parvo do que façam em mim experiências.
Mas não existem apenas estes energúmenos que evoluem, estagnam e regridem. Existem também os seres humanos. Filhos da terra, noivos da morte, peregrinos do Tempo abissal, que tudo gera e tudo devora. Pessoas como nós.
No Dragoscópio