Já não é vergonha

“Depois do “caso Charrua” (que, para espanto de quem se julga num país democrático, acabou mesmo condenado), aparece agora um novo caso. As circunstâncias são parecidas. Parece que o médico António Salgado de Almeida, vereador da CDU, durante um fim-de-semana, resolveu pôr numa parede do Centro de Saúde de Vieira do Minho uma entrevista do ministro Correia de Campos. Nessa entrevista, Correia de Campos dizia que, no caso de ter a vida em risco, não iria a um Centro. O crime estava em que, por baixo desta declaração, alguém escrevera “Façam como ele. Vão a uma urgência de Braga” ou coisa equivalente. Aqui apareceu uma figura já típica do regime, o denunciante, na previsível pele de “um membro do PS”. O denunciante fotografou a entrevista, agora promovida a “cartaz”, “pediu o Livro Amarelo para fazer um queixa” e comunicou o escândalo à autoridade política, ou seja, à Administração Regional de Saúde (ARS/Norte).
A directora do Centro de Vieira do Minho, Maria Celeste Cardoso, não sabia do cartaz. Mas, quando soube, “repreendeu” o médico (não se percebe muito bem porquê). Infelizmente, a ARS/Norte não se deu por satisfeita. A “repreensão” não bastava para um acto tão grave. A ARS/Norte queria esmagar o celerado; queria nomeadamente que Maria Celeste Cardoso instaurasse um processo disciplinar ao médico. E, como ela se recusou, foi demitida por um ofício de Correia de Campos. Para tudo ser perfeito, Maria Celeste Cardoso é casada com um PSD, vice-presidente da Câmara de Vieira do Minho, e o Governo nomeou para a substituir um vereador (“independente”) do PS de Ponte de Barca.

A moral da história é simples: o PS, que os portugueses se habituaram a ver como o defensor da liberdade e da democracia, não passa hoje de um partido intolerante e persecutório, que age por denúncia (aqui como na DREN) e tem uma rede potencial de esbirros, pronta a punir e a liquidar qualquer português por puro delito de opinião. Pior ainda, personagens como Correia de Campos colaboram pessoalmente nesta lamentável empresa de intimidação. Não admira. Nem o eng. Sócrates nem o dr. Cavaco manifestamente compreendem que a repressão da dissidência e da crítica começa a corromper o regime e torna inevitável o futuro “saneamento” dos “saneadores”. O silêncio de cima encoraja o miserável trabalho de baixo. Em Portugal, a colaboração do Estado com os pequenos pides do PS já não é uma vergonha”.

[30.06.2007, Vasco Pulido Valente, Público]

2 comments on “Já não é vergonha”

  1. zazie says:

    Isso já andavam para aí a convocar manifs por sms para derrubar o governo e a gritar: ” a reacção não passou, a reacção não passará!

    ou – fascismo nunca mais!

    “;O))
    Mas o que dá para observar e que ainda é mais patológico é a forma como justificam tudo isto. Com uma série de paleio legalista de defesa das instituições. Precisamente as mesmas justificações a que sempre chamaram fascistas, em se passando na ditadura.

    Gramava que o Tim me viesse agora com a famosa superioridade moral de esquerda. É que é daí que vem esta maior tendência da esquerda para a censura.

  2. Hadassah says:

    …pergunto-me como reagiria a oposição, os “media” e os portugueses em geral, se tudo o que se tem passado tivesse acontecido há um mandato atrás!?

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