Outro detalhe deveras sintomático e esclarecedor da mentalidade destes proxenetas da urna que nos assombram reside, invariavelmente, no seu clamor pungente e desesperado por uma “maioria absoluta”. Com a “maioria absoluta” é que a coisa vai, é que o milagre é garantido e a banha da cobra infalível. Sem ela é a continuação do caos, prossegue o dilúvio, recalcitra a enxovia, ganha anti-corpos a infecção. Mas que significa realmente este pedido sistemático da “maioria absoluta”? Significa: “Autorizem-nos a ditadura grupuscular a prazo!” “Isto, sem ditadura não vai lá!” “Com democracias, ninguém se entende e é uma balbúrdia inconsequente.” Etecétera e tal. Admira-me, num país atestado de tantos explicadores encartomantados, de bola de cristal à cabeceira, admira-me que nunca nos tenham explicado isto. Um fenómeno tão simples. E tão óbvio.
Do Cavaquistão ao Socratistão, passando por Limianiputes e Barrosais, a paisagem desaguou no país: enxames de bezouros ilustres, fervilhando buliçosos em volta de abelhões mestres, na demanda de bosta quente onde aconchegar a postura, apoderaram-se do Estado e, sob a maquilhagem democrática, instalaram a ditadura de alterne. Isto é, a ditadura alternada dos enxames. Ora agora ditas tu, ora agora dito eu. Os resultados deste sequestro – repartido e revezante – do país estão bem à vista. Os clamores impúdicos por “maioria absoluta” ecoam cada vez mais abafados pelos brados de “fim-da-pátria” e manguito absoluto.
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Não é tanto a saudade do ditador antigo aquilo que mobiliza as pessoas, mas o asco, cada vez mais entranhado e justificado, aos ditadorzinhos modernos. Se a mentira tem perna curta, a vigarice contumaz nem pernas tem: rasteja sobre o ventre peçonhento e causa, mal se avista, a repugnância e o opróbrio públicos. Desde a antiguidade, a experiência ensinou ao povo uma verdade insofismável: é preferível a ditadura dum homem à ditatura duma choldra; são mais suportáveis os defeitos de um, por muitos que sejam, aos defeitos de mil, incontáveis e infestantes que se tornam.
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Para a maioria da população, cada vez mais farta de ser estrangeira no seu próprio país e colónia sucedânea às patas de mafias albardadas de elite, resta, acima do desespero, a esperança – a esperança estribada na certeza que o tempo ministra: toda a podridão incha. Até que rebenta.
Podes crer. E a mistura entre a sátira e o tom patriota foi deliciosa. Grande Dragão
Beijocas, ó Carlos das boas afinidades públicas
Este é dos textos do Dragão que deveria ser gravado em granito e colocado no gabinete de todos os políticos deste e de outros países.