Os Poucos Demasiados
(…)Essa ideia de que os “poucos podem aperfeiçoar os muitos” encanta-me. Especialmente porque tem muitos a sustentá-la. A Santa Madre Igreja, por exemplo… Andou praticamente mil anos a aperfeiçoar a malta, uma Idade Média inteira. Bruniu, lustrou, burilou, aperfeiçou e tornou a aperfeiçoar. Teve o tempo quase todo do mundo e o beneplácito das autoridades. E quando já tinha o sujeito muito bem aperfeiçoado, eis que surge quem? – O homem moderno, esse pimpão. Que maravilha! – todo luminoso e protagonista…Uma beleza! O burguês-rei em pessoa, todo catita. O proto-ubu em acção. Com a lição muito bem aprendida. Direitinho, que nem bólide desenfreado, ao pescoço do rei e às jugulares do povinho. Desalmado até à medula. A Igreja, vejamos lá bem, com aquele trabalho todo, tão fulgurantes pensadores, uma hoste completa de santos-jóqueis de Platão e Aristóteles -estropiados e miniaturizados, estes, é certo, mas mesma assim superiores a qualquer Descartes de meia tigela – e o resultado é aquele? Nem Deus lhes valeu. Que desperdício, que esbanjamento inaudito de sinergias e prendadas doutrinas.
Ah, mas o paradigma manteve-se. Apenas mudou de hospedeiro: os jacobinos também acreditavam piamente que os poucos podiam aperfeiçoar os muitos. Regra geral e imperatriz, cortando-lhe a cabeça em excesso, quando não mera redundância da tripa. O seu projecto, aliás, era duma audácia exuberante: importava arrancar aquela cabeça cheia de ideias más e implantar em seu lugar uma outra atestada de ideias boas. Infelizmente, a guilhotina, esse magnífico instrumento, só resolvia a primeira parte do programa. Foi preciso esperar pela segunda metade do século vinte para que finalmente surgisse uma máquina capaz do programa completo: a televisão.
Voltando à saga paradigmática: na senda dos jacobinos, vieram depois os marxistas-leninistas. Ninguém lhes dissesse que tinha dúvidas de que os poucos pudessem aperfeiçoar os muitos. Ai do céptico! A vanguarda da classe operária, primeiro, a nomenclatura, logo a seguir, estavam mandatados pela Santa História Científica para acabar com todas as dúvidas. Os poucos não só iam aperfeiçoar os muitos como iriam aperfeiçoar o mundo na forma dum paraíso terreal.
Ah, mas o paradigma manteve-se. Apenas mudou de hospedeiro: os jacobinos também acreditavam piamente que os poucos podiam aperfeiçoar os muitos. Regra geral e imperatriz, cortando-lhe a cabeça em excesso, quando não mera redundância da tripa. O seu projecto, aliás, era duma audácia exuberante: importava arrancar aquela cabeça cheia de ideias más e implantar em seu lugar uma outra atestada de ideias boas. Infelizmente, a guilhotina, esse magnífico instrumento, só resolvia a primeira parte do programa. Foi preciso esperar pela segunda metade do século vinte para que finalmente surgisse uma máquina capaz do programa completo: a televisão.
Voltando à saga paradigmática: na senda dos jacobinos, vieram depois os marxistas-leninistas. Ninguém lhes dissesse que tinha dúvidas de que os poucos pudessem aperfeiçoar os muitos. Ai do céptico! A vanguarda da classe operária, primeiro, a nomenclatura, logo a seguir, estavam mandatados pela Santa História Científica para acabar com todas as dúvidas. Os poucos não só iam aperfeiçoar os muitos como iriam aperfeiçoar o mundo na forma dum paraíso terreal.
A ler, na íntegra, no Dragoscópio